Linguagem e humanização
A
linguagem, na verdade, tem sido objeto de curiosidade e indagação desde o
momento em que o homem começou a pensar suas condições existenciais, remontando
os primeiros estudos escritos à Grécia de Platão. Podemos afirmar que é a
linguagem que torna possível a humanização como a percebemos. Por um lado não podemos
pensar o homem sem a linguagem; por outro lado, não podemos pensar a linguagem
distanciada da vida, em seus aspectos sociais, culturais e históricos.
A
linguagem abrange sistemas simbólicos, verbais e escritos. Os sinais dos
surdos, sinais de transito, gestos cotidianos, cinema, televisão etc.
Linguagem e
sociedade
A
linguagem permeia todas as ações grupais, permitindo-lhes a interação
comunitária. Entretanto, ambos se relacionam com a linguagem de forma distinta,
a utilizam de formas diferentes.
Se
observarmos ao nosso redor, encontraremos poucas uniformidades nos usos
lingüísticos. A pesquisa sociolingüística,
ramo da lingüística que estuda as variações da língua em relação ao
contexto social vem demonstrando desde a década de 1960, como muito rigor, a
heterogeneidade lingüística que vivemos. As pessoas falam de acordo com o grupo social a que pertencem como a faixa etária em que se inserem como o nível de escolaridade que possuem como
o gênero com que se identifica e
como a época histórica em que vivem.
Estamos dizendo que as pessoas falam de acordo com suas identidades sociais.
Isso nos leva a conclusão que em língua não existe certo ou errado, mas sim
diferenças.
Percebendo
e sistematizando as diferenças e as variações, vários sociolinguistas desmistificaram
a idéia de uma língua ser melhor ou mais bela que outras. Em termos de língua,
existem o certo e o errado apenas quando elegemos arbitrariamente uma forma de
falar e de escrever em detrimento de outras. Em países estratificados como o
Brasil, formas de falar e de escrever dos grupos que detém o poder econômico e
cultural acabam prevalecendo e servindo como modelo e ser seguido, ou almejado,
pelos demais grupos. A escola historicamente encarrega-se de reforçar essa
idéia e impor aos alunos uma norma única, configurando como erradas todas
aquelas oriundas de grupos sociais desfavorecidos. Valem ressaltar que condenar
determinadas variantes lingüísticas é uma forma de condenar os falantes dessas
variantes. Podemos afirmar que os integrantes de grupos sociais diferentes
falam de formas diferentes, e não deficientes.
Linguagem e cultura
A
língua está diretamente ligada às formas de nos relacionarmos com o mundo e de dizê-lo.
Da mesma forma que é produzida pelos homens em um processo de interação, o que
caracteriza como produto cultural, ela também materializa em si os valores
culturais. Nossa relação com o mundo é mediada pela linguagem. Dizer o nome das
coisas e compreendê-las é uma forma de dizer o mundo que vivemos.
Etnolinguistica
É
o ramo de pesquisas da linguagem que visa à compreensão das relações entre
linguagem e valores culturais típicos de grupos de pessoas. As variações
etnolinguisticas não dizem respeito apenas ás formas e aos significados das
palavras. Elas também estão relcionadas ás formas de dizer.
Linguagem e
história
Além
das variações sociais e culturais, as línguas apresentavam variações no tempo.
São realidades fundamentalmente históricas, não apenas no sentido de que se
transformam no decorrer do tempo, mas no sentido de que estão se construindo e
se reconstruindo a todo tempo. Nada na língua é estático, tudo se refaz e se
transforma incessantemente.
Se
abordarmos a evolução histórica da língua em um sentido linear, entraremos no
âmbito dos estudos da chamada gramática
histórica. Nela aprendemos como as línguas se transformaram para chegar ao
estagio atual. Muitas pesquisas procuravam reconstituir a historia da língua e
estabelecer suas respectivas famílias. Para esses pesquisadores, o objetivo era
saber qual havia sido a primeira língua falada pelos homens, a protolingua, e como dela se derivaram
todas as outras.
Como
estudantes de português, para entendermos a historia de nossa, é comum nos
reportamos ao latim. Língua antiga de grande produção letrada, o latim deu
origem às chamadas línguas modernas
neolatinas, tais como o espanhol, o francês, o italiano, o galego, o
romeno, o catalão e o português.
O
ensino do latim nas escolas iria ajudar a resolver os problemas de escrita e de
leitura de nossos estudantes? O primeiro equivoco em que é o conhecimento do
sentido etimológico da palavra que auxilia a compreender seu sentido atual. O
segundo equivoco é que aprendemos uma língua estudando seu processo de
evolução.
Variação e norma: a gramática escolar
Se
nossa língua é uma boa parcela do que somos, não fazer uso dela de acordo como
nossa vontade é uma forma de negar uma parcela do que somos. O que nos ensinam
na escola, entretanto, não é bem isso. Desde os primeiros dias de aula, os
professores procuram corrigir nossa fala e enquadrar nossa escrita. Entra em
jogo, a partir desse momento, a gramática
normativa, a qual procura apresentar o que entende como norma padrão.
Norma padrão é o conjunto
de formas e construções de uma língua utilizadas por pessoas de elevado grau de
escolaridade e que vivem em grandes centros urbanos. Além disso, serve como
parâmetro para o meio de comunicação social e para atividades administrativas
da vida pública.
A
escola acredita que o ato de aprender a norma padrão é uma forma de se inserir
nos grupos sociais e nas atividades em que ela é exigida. Ao lado disso, acretida-se
que a norma padrão é aprendida pelo estudo da gramática normativa.
Entretanto,
temos de pensar em alguns aspectos importantes sobre o ensino da norma padrão
relacionado ao ensino da gramática normativa.
Primeiro: podemos
aprender a escrever reproduzindo nossa forma de falar, como ocorre nos anos
iniciais de escolaridade sem nos preocuparmos com a correção da escrita.
Segundo: Visamos no
decorrer de nossa escolaridade, a aprender a escrita de acordo com a norma, ou
seja, escrever “bem”. Isso aprendemos á medida que lemos, escrevemos e pensamos
sobre a linguagem escrita.
Terceiro: O aprendizado
de nomenclaturas gramaticais, tais como a classificação morfológica das
palavras e a definição de conceitos sintáticos, não torna ninguém proficiente
usuário da norma padrão. Uma coisa é aprender a língua em uso, outra é aprender
conceitos gramaticais.
A
esses três pontos devemos acrescentar o fato de que as gramáticas normativas
não dão conta de descrever a norma padrão. A critica que fazemos aqui à sua
aplicação no ensino da língua não é nenhuma novidade.
Síntese
As
escolas, ao ensinar línguas, devem estar atentas para as relações entre
cultura, linguagem e identidade, reconhecendo e respeitando as variações
lingüísticas como ponto fundamental para tornar possível o desenvolvimento do
sujeito. A língua é construída e reconstruída, historicamente, pelos falantes
em suas ações socioverbais.
As
variações lingüísticas são resultados da dificuldade das escolas em padronizar
o uso da norma culta. A aprendizagem da língua ocorre nos processos de
interação efetiva, em que procuramos agenciar recursos expressivos disponíveis
para dizer alguma coisa a alguém. Não existe uma língua única, o que há é a coexistência
de varias formas lingüísticas.
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